terça-feira, maio 27, 2008

Contradições

- Gosto de ti cansada, exausta, feliz…
Gosto quando me obrigas a tomar decisões ou me fazes mudar de ideias. Gosto quando me provas que a minha racionalidade não explica tudo e que o mais importante é mesmo inexplicável. Como isto que temos e não temos.
Gosto do brilho dos teus olhos… Ou melhor, gosto das múltiplas expressões do teu olhar. Gosto quando olhas para mim, quando olhas pelos outros e quando os outros reparam em ti.
Gosto quando sorris. Gosto de te ver dormir.
Gosto quando te ris de mim. Gosto da forma como me conheces. Gosto das nossas diferenças, das nossas incompatibilidades, da impossibilidade de te vir a amar. Gosto que não sejas a pessoa certa. Gosto de ter a certeza disso. Gosto de ti como não gosto de mais ninguém.
Não gosto que fiques zangada comigo. Mais ninguém se zanga comigo dessa maneira. Perco o norte e os dias correm-me estupidamente mal. Não sei o que fazer. Não gosto que tenhas razão. Não és a pessoa certa, mas és única para mim…
E tu?

- Eu? Eu… não sei.
Gosto de ti cansado, exausto, feliz…
Gosto quando admites que a razão não explica tudo. Gosto que os meus pressentimentos estejam correctos. Gosto quando me vês dormir.
Gosto quando apontas as soluções possíveis e me garantes que vai ficar tudo bem. Gosto do teu pragmatismo, dos teus pés no chão, das nossas diferenças, das nossas incompatibilidades.
Não gosto de te imaginar nos meus braços. Não gosto de te imaginar nos braços de outras. Custa-me dizer-te isto. Não sei como nunca o fizemos, mas sei que já nos adiámos e ferimos para sempre. Não sei o que é isto que temos e não temos. Mas é muito importante para mim…

segunda-feira, maio 12, 2008

Firenze

O dia mais feliz da nossa vida está sempre por vir. O casamento, o nascimento do primeiro filho, a chegada ao primeiro milhão de euros, a presidência da empresa ou o reconhecimento de uma carreira que já se afigurava brilhante.
O grande amor ainda está por viver. A pessoa certa vai esbarrar connosco, num dia de chuva, em que teremos a imediata e inequívoca convicção de a ter encontrado. A teoria é sustentada durante anos, enquanto se vão iniciando (e descartando) relações, sempre com a certeza de que a pessoa certa ainda não foi encontrada.
A nossa cidade é sempre aquela que estamos por conhecer. A viagem de sonho é sempre aquela que ainda não fizemos e que vamos adiando por imperativos vários (nomes politicamente correctos para inércia ou preguiça).
A descrença na existência da tal pessoa certa ou na felicidade suprema alcançada num dia já pré-determinado veio com a idade. Os cabelos brancos trouxeram algumas dúvidas. Os dias pré-determinados são realmente assim tão importantes, tão únicos? A pessoa certa existirá realmente?
A minha cidade, essa sim… existe. Conheci-a num fim de viagem que já contava com tantas memórias quantas a perspectiva mais optimista podia ter configurado.
Na mala levava poucas horas de sono, muitas de comboio e outras tantas de jantares com enérgicas famílias italianas… Personagens que rompiam de um romance que alguém se esqueceu de escrever. Um cozinheiro-advogado-padeiro italiano que escolheu um parque de campismo para jurar amor eterno à sua bella donna, com toda a família como testemunha.
Uma padeira-bibliotecária e um pintor-padeiro-gótico que quiseram perpetuar a tradição da família, sem descurar os seus sonhos. Fazer foccacias é uma arte tão difícil como a de desenhar personagens saídas do Senhor dos Anéis. Ainda assim, o Karma dos intelectuais e artistas é o mesmo nos quatro cantos do mundo: reservam pouco tempo para as actividades mundanas dos comuns mortais, como a de conduzir devagar, sem sair da mesma faixa da estrada.
Um filósofo-voluntário-dono de um bar de uma aldeia perdida nos confins de Itália, onde Angie é tocada ao vivo para quatro transeuntes que poderão nunca mais voltar a passar por ali. O mesmo dono que, todos os anos, vive três a quatro meses em África. Conduz um jipe e tenta fazer o que pode por aqueles que vai encontrando.
Um professor-idealista que, próximo dos sessenta, já viveu, leu e analisou muito daquilo que melhor e pior se vai fazendo por este mundo. De Portugal tinha boas referências: Fernando Pessoa, Saramago, Sérgio Godinho… Fazem parte da biblioteca de alguém que nunca aceitou a imposição de regras.
Com quem partilhei as experiências?
Com uma politóloga-também-idealista-cantora que se sente em casa no bairrismo de Génova, enquanto recusa os circuitos turísticos e me lembra que os bons amigos, uma vez feitos, ficam para sempre.
Com um engenheiro-bom-vivant que sustenta a teoria de que uma boa viagem tem que ser movida a muitos copos, intermináveis horas de conversa e mais visitas a outros amigos, dos tais que, uma vez feitos…
Com outro engenheiro-hiperactivo. O cansaço, os prazeres gastronómicos de Itália e o ano que completa entre três países diferentes desafiam-lhe o pragmatismo que até aí lhe fornecia resposta para tudo. A mim, deixa-me a certeza que a resposta «só amigo» não faz sentido absolutamente nenhum.
Mas ainda haveriam mais surpresas. Às portas do Paraíso, foi fácil perceber que o lugar era meu. As ruas onde passámos eram minhas. As casas eram habitadas por pessoas reais. Uma delas, por uma arquitecta de Roma, que prefere inspirar-se na beleza e qualidade de vida fiorentina. Ir de bicicleta para o trabalho é um luxo que já não dispensa. Como as visitas de um supersticioso namorado napolitano que não gosta de ver garrafas de vinho, azeite ou água partidas no chão. Pelo sim, pelo não, é preferível molhar o dedo e passá-lo pelo pescoço dos que estão por perto.
Que outra cidade no mundo, com uma tão ínfima expressão geográfica, terá tanto para dar? Nunca lidei bem com a chantagem, mas a condição que impõe parece-me justa. Só lhe prometi que voltava assim que pudesse, lamentando não ficar até ser vencida pelo cansaço ou pelas lusitanas saudades. E, se isso nunca chegasse a acontecer? Se a Piazza del Duomo, o Baptistério, o Campanário, o Palazzo Pitti, a Ponte Vecchio, a luz, as casas, o rio… nunca me cansassem? Era uma hipótese. Aceitava, de bom grado, correr o risco. Encontrei-te Firenze…
E é verdade: quando se diz «Amo-te» a alguém, esse amor dura para sempre.