Fim
No princípio, achava piada a todas as nossas diferenças. As coisas que ele sabia: a capital do Botswana, os nomes de todos os reis de Portugal, a distância da Terra ao Sol, os poemas de Herberto Hélder, as teorias filosóficas de Hegel, Nietzsche e Schopenhauer, as sinfonias de Bach…
Eu sou cabeleireira, podem perguntar-me tudo sobre tintas, técnicas de brushing, massagens capilares, que eu respondo. O que tínhamos em comum? Nada. Mas eu gostava que assim fosse, e os nossos filhos também. Perguntas intelectuais faziam ao pai. Coisas assim mais práticas já sabiam que tinha que ser eu a resolver.
As pessoas costumavam dizer «Equilibram-se um ao outro». E equilibrávamos. Éramos um casal lindo de morrer, uma família tão feliz que só visto. Ninguém desconfiava.
Até ao dia em que nos separámos.
«O que se passou?» perguntaram algumas almas escandalizadas, mais curiosas do que propriamente com vontade de ajudar no que fosse preciso. Pouco tempo depois já tinham caído em si e alterado a exclamação: «Realmente, eles sempre foram muito diferentes! Como é que podia ter resultado?»
Nada disso. Eu gostava das nossas diferenças. Durante muitos anos fui feliz. Agora, simplesmente, acabou o amor. Não adianta inventar desculpas. Não me cansei de ser eu a mudar lâmpadas, pendurar quadros, planear as férias, pagar as contas da casa, tomar decisões. Também sei que ele continua a gostar da minha falta de cultura geral, a que, muito carinhosamente, sempre chamou pragmatismo. Mas já não nos amamos. Não estou feliz por ter chegado a esta conclusão, mas não há outra desculpa. Simplesmente acabou.
Eu sou cabeleireira, podem perguntar-me tudo sobre tintas, técnicas de brushing, massagens capilares, que eu respondo. O que tínhamos em comum? Nada. Mas eu gostava que assim fosse, e os nossos filhos também. Perguntas intelectuais faziam ao pai. Coisas assim mais práticas já sabiam que tinha que ser eu a resolver.
As pessoas costumavam dizer «Equilibram-se um ao outro». E equilibrávamos. Éramos um casal lindo de morrer, uma família tão feliz que só visto. Ninguém desconfiava.
Até ao dia em que nos separámos.
«O que se passou?» perguntaram algumas almas escandalizadas, mais curiosas do que propriamente com vontade de ajudar no que fosse preciso. Pouco tempo depois já tinham caído em si e alterado a exclamação: «Realmente, eles sempre foram muito diferentes! Como é que podia ter resultado?»
Nada disso. Eu gostava das nossas diferenças. Durante muitos anos fui feliz. Agora, simplesmente, acabou o amor. Não adianta inventar desculpas. Não me cansei de ser eu a mudar lâmpadas, pendurar quadros, planear as férias, pagar as contas da casa, tomar decisões. Também sei que ele continua a gostar da minha falta de cultura geral, a que, muito carinhosamente, sempre chamou pragmatismo. Mas já não nos amamos. Não estou feliz por ter chegado a esta conclusão, mas não há outra desculpa. Simplesmente acabou.
4 Comments:
Sinto muita tristeza quando constato que a questão não é se as coisas de que mais gostamos irão acabar um dia, mas sim tentar perceber quando acabarão. Parece uma certeza, firme, racional, concreta, óbvia, imutável. A maturidade está em aceitar e perceber que as coisas se alteraram e que: já não faz sentido continuar assim.
Seria mais cómodo, sim, muito cómodo, continuar como se nada fosse e viver na aparência, como muita gente faz.
Não é sermos cruéis, sermos vaidosos ou nunca contentes. Somos seres pensantes que crescem e se modificam com o tempo, até chegar o dia em que percebemos que afinal, mudemos assim tanto que, já nada daquilo que tínhamos ainda subsiste.
A capacidade de olharmos a outra pessoa olhos nos olhos e falarmos daquilo que corre bem e que corre bem é um sinal de maturidade e respeito.
Eu sei que não é fácil e que vai ser duro passar por isto, mas podemos ficar felizes por termos acabado da mesma forma como começamos, com honestidade.
Concordo com o/a "The White Scratcher"... Pior do que acabar o amor é acabar o respeito.
"As pessoas têm de morrer, os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?
Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre (...)Há uma presença interior, uma continuação em nós de quem desapareceu, que se ressente do confronto com a presença exterior. É por isso que nunca se deve voltar a um sitio onde se tenha sido feliz. Todas as cidades se tornam realmente feias, fisicamente piores á medida que se enraízam e alindam na memória que guardamos delas no coração. Regressar é fazer mal ao que se guardou.
Sofrer é respeitar o tamanho que teve um amor. No meio do remoinho de erros que nos revolve as entranhas de raiva, do ressentimento, do rancor- temos de encontrar a raiz daquela paixão, a razão original daquele amor.
que é preciso é igualar a intensidade do amor a quem se ama e a quem se perdeu. Para esquecer, é preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar tempo, dar dor, dar com a cabeça na parede, dar sangue, dar um pedacinho de carne (eu quero do lombo, mesmo por cima da tua anca de menina, se faz favor).
E quando alguém está sempre presente ? Quando é tarde. Quando já não se aguenta mais. Quando já é tarde para voltar a trás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar.
Como se pode esquecer o que só de consegue lembrar ?
Aí, está o sofrimento maior de todos. O luto verdadeiro. Aí está a maior das felicidades.
Miguel Esteves Cardoso – Publicado no Semanário Independente a 26/10/1990 (reeditado no livro "Último Volume")
Leitão
Nada como o corner das nails da Maria Delfina :-D
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