segunda-feira, outubro 29, 2007

Ao anoitecer


Completamente às escuras, não só na sala de cinema, mas também nos conhecimentos sobre o filme. Foi assim que comecei a assistir «Ao Anoitecer», sessão recheada de estrelas, com Meryl Streep a ofuscar quase tudo à volta. Meia hora de cena, para relembrar que mais ninguém consegue ter uma presença tão sufocante.
Mas existem outras surpresas, Michael Cunningham, o autor de «As Horas», adaptou o romance de Susan Minot, para sublinhar que poucos homem conhecem tão bem o espírito e a mente femininos.
Uma mulher na fase terminal da vida visita memórias difusas, que partilha com as duas filhas: a loira com a vida perfeita e o pragmatismo das mulheres que sabem o que querem, e a morena que vive um dia de cada vez, numa sucessão de erros e contradições, dúvidas e nostalgias.
Não me entristece o cancro que vai tomando conta de todos os órgãos do corpo, mas uma vida de sentimentos contrariados, que tinham tudo para não ter sido. Uma personalidade demasiado forte, um espírito inconformista e um sentimento de culpa insuportável, ou uma amálgama de características que impossibilitam a felicidade.
Porque existem sentimentos tão perfeitos, que parecem destinados a não acontecer.
Para casa, levo sal nos olhos. A esperança de ainda não ter deitado fora as melhores oportunidades de ser feliz ou o insuportável desejo de não chegar ao fim da vida com aquelas certezas?

terça-feira, outubro 23, 2007

Give me the words


In a Manner of speaking
I just want to say
That I could never forget the way
You told me everything
By saying nothing

In a manner of speaking
I don't understand
How love in silence becomes reprimand
But the way that i feel about you
Is beyond words

Oh give me the words
Give me the words
That tell me nothing
Oh give me the words
Give me the words
That tell me everything
Nouvelle Vague

quarta-feira, outubro 10, 2007

Mikhail Baryshnikov


"I do not try to dance better than anyone else.
I only try to to dance better than myself."

quarta-feira, outubro 03, 2007

2 Dias em Paris

«Ao fim de um certo tempo, preferimos acordar com o espirrar de uma pessoa do que com os beijos de outra».

Tenho saudades tuas. Mas sabemos que sobre elas não adianta falar.
Não tenho saudades do que poderíamos estar a viver neste momento. Também sabemos que já não faria sentido.
Não fomos uma paixão fugaz, não jogámos todos os trunfos na primeira cartada, não apostámos nada. Apesar disso, ambos temos a sensação de desistência, e de perda. «If you give up now who’s gonna loose, which one of us is giving up now of being free?»
Se já nada seria como dantes, como um tempo que passou e que foi só nosso, porque insistimos em esquecer o final, os maus momentos, e seleccionamos apenas os bons? «Porque não foram apenas bons», respondes. E tens razão, mas nunca chegarei a admiti-lo.
Teria sido mais fácil amar-te dois dias em Paris, do que dois anos espalhados pelo mundo. E teria sido tão mais fácil amar-te nesses dois anos do que nas duas vidas que nos propusemos viver.
Na próxima voltaremos a encontrar-nos, tenho a certeza.
Até lá, espero que sejamos felizes, em sintonia e separados para sempre.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Cor de mel

«Quando crescer quero chegar a velho», costumava responder quando lhe faziam a estúpida pergunta do costume. Sempre lhe pareceu estranho que lhe dessem tanta importância, a ele e à irmã, e ninguém prestasse atenção à avó. Senhora de idade, com alguns problemas de memória, que nem sempre recordava o nome das vizinhas. Mas também, que importância podia ter saber os nomes das vizinhas? Todas lhe diziam a mesma coisa: «ai que menino tão lindo, é mesmo a cara do pai, o que queres ser quando fores grande?». Pela falta de originalidade no discurso (e pela falta de coerência, uma vez que Miguel sabia ter sido adoptado) podiam chamar-se todas Anas ou Marias, nomes mais portugueses dos nomes portugueses.
A avó chamava-se Carmelina, que combinava com ela e com os olhos cor do mel. A avó gostava de torradas com pão, manteiga, açúcar e canela. Não gostava de se vestir de preto, discordava de algumas ideias do padre capelão e não chorava nos funerais, dizia apenas «até já», enquanto as outras velhotas carpiam mágoas exageradas, não condizentes com as intrigas e más-línguas anteriores. Depois de mortas, todas as pessoas pareciam virar santas.
A avó era fantástica e original. Tinha sido muito feliz com o avô, que lhe oferecia ramos de flores no dia dos namorados, mesmo depois de terem estado casados 50 anos. Andavam sempre de mão dada. Ele gostava dos seus vestidos coloridos, politicamente incorrectos para uma senhora da sua idade. Não deixou de os vestir, depois de ficar viúva, e porque haveria de o fazer? Foi a forma encontrada para homenagear aquele amor.
Estiveram 50 anos casados, e nunca tiveram uma discussão. A irmã não conseguia namorar 50 dias seguidos com o mesmo rapaz. Mas ninguém parecia entender aquela avó. Devia ser pela originalidade, era uma avó «muito à frente». E Miguel gostava que assim fosse.