quarta-feira, novembro 29, 2006

Pedra Filosofal


Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

terça-feira, novembro 28, 2006

What else?

Do que mais poderiam elas estar a falar?

segunda-feira, novembro 27, 2006

Juntos pela paz, literalmente

Pois que a mim me parece a desculpa ideal. Ora vejam e marquem nas vossas agendas: dia 22 de Dezembro. Se a iniciativa resultar com certeza que não nos importaremos de repetir, tudo pelo bem da Humanidade, claro.

http://www.globalorgasm.org/

Marie Antoinette


Só agora pude ver o filme, mas valeu a pena esperar. Até porque, mais uma vez, discordo com a crítica que não apreciou propriamente o estilo ópera-rock de Sofia Coppola. Sempre gostei de ler e ver retratadas no cinema biografias de mulheres fortes, como Marie Antoinette. A fuga ao estereótipo da mulher louca e sem maneiras, que tanto chocaria a rígida corte de Versailles é digna de assinalar. A personagem é antes vista como uma jovem mulher, que aos 14 anos é casada com um marido sem sal, que só viria a consumar o casamento sete anos depois da sua data. As festas, os amantes, as orgias e os luxos contestados por um povo que passava fome são assim consequência dos espartilhos impostos pelo protocolo e por um marido pouco cumpridor dos seus desejos.
E que bem se conjugam as músicas de The Cure e Air, com os ambientes do século XVIII. Até umas sapatilhas All Star acabam por fazer sentido, misturadas com o calçado da rainha.
É impossível não nos identificarmos com Maria Antoinette, magistralmente interpretada por Kirsten Dunst. A nomeação para o Óscar da Academia deve ser certa (e mais que justa).

terça-feira, novembro 21, 2006

Sonhos e desejos


Nenhuma mulher lhe disse amo-te, da maneira por ele desejada; nenhuma mulher lhe disse amo-te de uma forma ou de outra. Mas continua a pensar que, neste exacto momento, em alguma parte, numa rua distante ou próxima, num país longinquo, num mundo de cor e de humor uma mulher viva, amável e jovem olha para o fio do horizonte e alimenta os mesmo anseios por ele. Desejar as coisas não faz com que elas aconteçam; porém, ninguém pode viver sem desejos.

Baptista Bastos - No Interior da tua Ausência

Além do mais, há sempre a esperança de que o pensamento tenha força suficiente para concretizar o desejo. A isso se chama optimismo, energia positiva para atrair as coisas boas da vida! Pode não acontecer sempre, mas um dia desejamos tanto, que o sonho acontece.
E logo em seguida nasce outro sonho.

sábado, novembro 18, 2006

Oh seu poeta!

Ontem depois de almoço, enquanto me preparava para pagar a conta dou comigo a escutar a conversa da mesa ao lado (coisa feia, eu sei, mas os senhores não faziam nenhuma questão em não ser ouvidos). Numa mesa de executivos engravatados alguém diz, acerca de um político da nossa praça, recentemente candidato à Presidência da República:
"- É um poeta, o que é que ele ía fazer para Belém?"
E ninguém respondeu, ficando o assunto arrumado. Em seguida fizeram-se prognósticos para os jogos de futebol do fim de semana que se avizinhava.
Dei-me então conta que ironicamente, em Portugal, pátria de Sophia de Mello Breyner, Fernando Pessoa, Herberto Helder, Eugénio de Andrade, entre tantos outros, chamar alguém de poeta é um insulto. Se a moda pega é mesmo coisa para deixarmos de ver os civilizados condutores do nosso país insultarem as mães uns dos outros e passarem a gritar "Ando lá com essa lata oh seu poeta!". Também as mães dos árbitos poderão ter algum descanso e os seus filhos passarão a ouvir, após a validação de golos marcados com a mão ou outros desastres semelhantes: "Seu poeta, devem-te ter pago bem, devem!".
Ao que parece ser poeta não é, de forma alguma, profissão, muito menos garantia de competência num lugar político. A julgar pelo estado do nosso país, podemos mesmo dizer que temos sido governados (e muito bem) por excelentes economistas, juristas, engenheiros e médicos, que isso sim são profissões a sério, credíveis. O sonho de qualquer pai babado. Aliás, qualquer adolescente problemático que queira ver os pais sofrerem um ataque cardíaco é dizer-lhes que quer ser poeta, filósofo, antropólogo, toxicodepente ou arrumador de carros.
Ser actor ou modelo, por exemplo, já foi mais temido: agora há sempre a esperança de ver o rebento protagonizar uma série de adolescentes com nome de fruta, mesmo que não saibam escrever o próprio nome correctamente.
Também, quem precisa de saber escrever português correctamente nos nossos dias? O melhor mesmo é aprender espanhol, para quando formos oficialmente hipotecados e os nuestros hermanos tomarem generosamente conta das nossas finanças, ou inglês, se o choque tecnológico há muito previsto vier algum dia a acontecer. Até lá nada de deixar filhos, primos, familiares queridos ou amigos seguirem a área de Humanidades! A não ser que tenham pais ricos ou a esperança de se tornarem euromilionários nos próximos tempos.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Poema à Mãe

No mais fundo de ti
eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa,
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me?-
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, novembro 13, 2006

Barbara Kruger

domingo, novembro 12, 2006

O sangue dos outros



“Estendeste-me a mão e disseste-me com a cabeça baixa: 'Adeus, peço-lhe desculpa.' E senti nos meus braços uma grande vontade de te puxar para mim, de te apertar contra o meu coração; nos meus braços, o gesto parecia tão fácil: fácil de fazer, e fácil de desfazer, um gesto transparente e exactamente igual a si próprio. Mas deixei os braços caídos ao longo do meu corpo. Um gesto, e Jacques está morto. Um gesto, e qualquer coisa de novo aparece no mundo, qualquer coisa que eu criei e se desenvolve fora de mim, sem mim, arrastando atrás de si imprevisíveis avalanches. 'Ele apertou-me nos braços.' Sentia já nos teus olhos a minha cara que me escapava; que se tornara já no teu coração o acontecimento opaco com que eu acabava de carregar o teu passado. Apertei a tua mão com indiferença; deixei-te ir embora sozinha pelas ruas em festa; ias a chorar mas eu não sabia. E fui-me embora, pelo meu lado, julgando-me também sozinho e acariciando a meu modo um vago remorso. Como se todos esses beijos que não te dei não nos tivessem prendido um ao outro com tanta força como os abraços mais ardentes; com tanta força como esses beijos que já não voltarei a dar-te, como essas palavras que nunca mais te direi e que me ligam a ti para sempre, tu, meu único amor.”

Simone de Beauvoir - O Sangue dos Outros

Com algumas leituras viajamos e passamos a conhecer tempos nos quais não vivemos ou locais onde nunca tínhamos estado. Vestimos os trajes de outros séculos, respiramos outros aromas, mudamos de sexo, religião ou raça, envelhecemos ou voltamos a ser criança. Adquirimos requintes de crueldade, tornamo-nos frios e racionais ou sensíveis e românticos. Tornamo-nos pessoas diferentes, vivendo experiências de vida e morte que apenas as letras nos poderiam proporcionar.
Com outras leituras encontramo-nos a nós próprios, como somos. Damos connosco a pensar que a nossa vida deu um livro e ninguém se lembrou de nos informar.

domingo, novembro 05, 2006

Maria Madalena


Adoro estas surpresas. Não tinha lido nada sobre o filme, nem sequer sabia da sua existência ou da sua passagem pelo grande ecrã (sim, ando um pouco desactualizada). Aluguei o dvd completamente às escuras e... amei.
Com um orçamento "modesto" de quatro milhões de euros, o mais recente filme de Abel Ferrara foi rodado em quatro semanas, entre Nova Iorque, Roma e Jerusalém. Juliet Binoche intrepreta o papel de uma actriz, por sua vez influenciada pela última personagem que encarnou no cinema: Maria Madalena. Esta experiência revela-se de tal forma devastadora que a leva a trocar a carreira por uma vida simples e de descoberta espiritual. O seu desempenho não surpreende: é fantástico, como sempre.
Forrest Whitaker, um jornalista que apresenta um programa televisivo sobre religião, não lhe fica atrás. Vários temas são abordados ao longo deste filme, que não se limita a retratar a vida de Maria Madalena e o seu papel na vida de Jesus Cristo.
Para quem se surpreenda com o tema escolhido pelo realizador, fica a explicação: "[A génese de MARY] partiu da história do jornalista que apresenta um programa sobre Cristo. Quando olho para as estrelas da informação televisiva, pergunto-me sempre o que se passará nas suas vidas, e até que ponto é que uma personalidade da televisão pode ser sensível, ou preocupar-se com a fé. Outro elemento apareceu-me também da experiência de trabalhar com actores e dos seus sentimentos quando a rodagem termina. Subitamente, eles sentem que o filme os abandona e que o mundo em que viviam se desvanece. Por último, sempre quis fazer um filme sobre Maria Madalena. É uma personagem que sempre me fascinou, sem que eu saiba exactamente porquê". (www.estreia.online.pt).
Também sem perceber exactamente porquê (ou sobretudo por saber), identifiquei-me com a personagem Marie Palesie. Será porque também eu, um dia, irei ter uma revelação/ crise existencial que me fará abandonar tudo e tornar-me uma pessoa melhor? Se for para ajudar a melhorar o mundo de alguém, já tenho as malas feitas!

quinta-feira, novembro 02, 2006

Have you ever really loved a woman?

Hoje de manhã ouvi na rádio esta música e pensei que era o manual de instruções ideal para os muitos homens que conheço e que afirmam ter problemas em entender as mulheres. A música é fantástica, como fantástico é o papel do Johnny Deep no filme com esta banda sonora... Uma verdadeira Coisa Boa da Vida este rapaz!

To really love a woman

To understand her

You gotta know her deep inside

Hear every thought

See every dream

And give her wings when she wants to fly

And when you find yourself

Lying helpless in her arms

You know you really love a woman

When you love a woman

You tell her that she’s really wanted

When you love a woman

You tell her that she’s the one

She needs somebody

To tell her that it’s gonna last forever

So tell me have you ever really

Really really ever loved a woman?

To really love a woman

Let her hold you

Do you know how she needs to be touched ?

You gotta breath her

Really taste her

To you can feel her in your blood

Then when you can see your unborn children in her eyes

You know you really love a woman (...)

You got to give her some faith

Hold her tight

A little tenderness

You gotta treat her right

She’ll be there for you

Taking good care of you

You really gotta love your woman

And when you find yourself

Lying helpless in her arms

You know you really love a woman.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Dois destinos


Era um dos filmes do Nicolas Cage que me faltava ver. Claro que a crítica odiou o seu papel. Eu, para variar, discordo. No filme, o actor representa um empresário de sucesso de Wall Street, rico e solteiro. Na véspera de Natal, um anjo dá-lhe a possibilidade de ver como teria sido a sua vida se há 13 anos atrás tivesse escolhido casar com a namorada (Téa Leoni) em vez de apostar tudo numa carreira de sucesso.
O filme em si não é nada de especial, mas fez-me pensar, até porque estes feriados e a proximidade da quadra natalícia dão-me sempre para a melancolia e, contra isso, nunca há nada a fazer.
O que estarei eu a fazer quando tiver 40 anos? Estarei realizada a nível profissional, ou casada e mãe de uns quantos filhos? Ou nem uma coisa nem outra? A ausência de perspectivas assusta-me, como a muitos jovens no meu lugar. No entanto, num blog optimista como o Coisas Boas da Vida, não quero falar sobre isto. Ao enorme ponto de interrogação que tenho constantemente à minha frente, vou passar a responder da seguinte forma:
apesar de não saber onde estarei aos 40, nem sequer aos 27, aos 26 tenho uma série de coisas boas para viver e lembrar. Entre elas estão alguns Amigos, muito bons. Estão espalhados pelos quatro cantos do mundo, mas fazem parte da minha vida actual, como de alguma forma irão fazer sempre. Esteja eu onde estiver: na Europa, em África, ou noutro continente. Até lá, posso não ter muitas perspectivas, mas tenho sonhos e vontade de concretizá-los! E muita personalidade (que é o eufemismo utilizado pelos meus Amigos para se referirem ao meu feitio um bocado difícil).
Obrigada a todos!