segunda-feira, abril 30, 2007

OFF

imagem retirada do "Da Literatura"
Hoje não vou atender o telefone, não vou estar disponível para todos, não vou ficar deprimida pela vida que não tenho, nem vou ouvir Bethania em altos berros. Hoje é segunda-feira, e o domingo felizmente já passou.
Hoje vou fazer o que me der na real gana, vou dizer à vizinha que não tenho ovos e não me vou oferecer para ir comprar. Vou-me estar nas tintas para os noticiários, não me vou revoltar contra as injustiças deste mundo e não vou ficar preocupada com situação política de nenhum país de terceiro mundo (incluindo o nosso).
Hoje vou estar off, e nem a loucura hormonal em que me encontro me vai desviar do meu objectivo: hoje vou olhar para o próprio umbigo, e vou-me estar ABSOLUTAMENTE NAS TINTAS para os dos outros! Egoísta sim! E vou passar a fazer isto pelo menos uma vez por ano.
E se têm algum amor à vida não queiram ser os primeiros a contrariar o objectivo: nem sequer podem alegar que não foram avisados!

sexta-feira, abril 20, 2007

Tomás amava Maria. Mais do que tudo na vida.

Maria amava Tomás.

Tomás amava Maria. Para ele, ela era perfeita. Adorava o olhar dela, que percorria e perscrutava todos os lugares e pessoas novas que conhecia.

Maria amava Tomás. Ele era perfeito. Como a serra e o mar.

Tomás amava Maria, e a maneira como dançava, balançando as curvas daquele corpo que o enlouquecia só de olhar.

Maria amava Tomás, como amava o seu quarto e as paredes seguras que o constituíam. A sua fortaleza, o seu esconderijo, o seu abrigo. A cama com os lençóis macios e protectores.

Tomás amava Maria, e a todos aqueles estranhos filmes que ela insistia ver. Antes dela não se havia dado conta que os europeus também se dedicavam à sétima arte. No curso de Gestão as raparigas eram práticas, seguras de si próprias, fáceis de entender. Maria não, gostava de filmes estranhos.

Maria amava Tomás, como amava aquele quarto onde podia finalmente descansar. Por vezes despertava com as discussões do quarto ao lado, onde eles dormiam. Subia os lençóis e na manhã seguinte pensava que sonhara. Sim, com certeza que sonhara.

Tomás amava Maria, e aos brincos e colares que ela fazia. Das suas mãos saíam autênticas obras de arte, que ela apenas via como passatempos. A sua prioridade era o curso de Enfermagem, que o assustava de alguma forma. Tinha medo de a perder. Conhecia o seu fascínio por África e não queria dividi-la com um continente.

Maria amava Tomás, como amava África e a possibilidade de salvar vidas. Ajudar quem necessitasse, corrigir as injustiças, não ficar indiferente.

Tomás amava Maria, e à maneira como ela nunca se entregava completa e transparentemente. A distância parecia sempre intransponível. Nada de mais, encarava-a como um desafio, ou como um traço da sua perfeição.

Maria amava Tomás. Como amava viajar, não para encontrar os outros mas para se encontrar a si própria. Como amava a literatura, a música cubana e a liberdade da revolução.

Tomás amava Maria, e aos cabelos compridos, negros, lisos. Ao sinal no pescoço e à cicatriz no umbigo. Aos dedos que, um dia, tocaram piano. E àquele corpo que, tonta, tapava com o lençol.

Maria amava Tomás. Como amava as pessoas que faziam parte de si. Como amava a esperança de um dia amar assim, como Tomás amava.

segunda-feira, abril 16, 2007

O Bom Nome e As Vidas dos Outros




Fim de semana dedicado ao descanso, ao passeio e à sétima arte. Duas opções muito certeiras, para relaxar das eternas produções hollywoodescas.
O Bom Nome é a mais recente realização de Mira Nair, a cineasta de Casamento Debaixo de Chuva. O filme começa também com um casamento indiano, devidamente combinado pelos familiares de Ashoke e Ashima. Como o primeiro se encontra a fazer doutoramento nos Estados Unidos, o casal muda-se de Calcutá para Nova Iorque, à procura do sonho americano. Para além das oportunidades profissionais que vão tendo, aprendem a amar-se, enquanto constroem uma família dividida entre os valores indianos e o modo de vida ocidental.
Gogol, o primeiro filho do casal, assim chamado em homenagem ao escritor russo, rejeita as tradições. Até ao momento em que se confronta com a verdadeira história da sua vida, dos seus antepassados e da sua identidade.
Do filme, destaco não apenas a história, como a cor (dos cenários e das roupas) e a fantástica interpretação de Tabu (Ashima). A actriz consegue passar para o ecrã todas as dificuldades de uma mulher emigrante nos Estados Unidos, forçada a adaptar-se a valores nos quais não acredita, bem como o próprio envelhecimento e amadurecimento da personagem. O filme é mesmo muito bom, e recomenda-se!


A segunda opção foi As Vidas dos Outros. Do estrante na realização Florian Henckel nasceu uma história de voyerismo onde o capitão Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), é um oficial altamente credenciado da Stasi, a polícia política da antiga Alemanha de Leste.
Fiel ao partido e regime comunistas, Gerd acredita no seu trabalho e na eficácia dos meios, até ser encarregue de uma missão que irá mudar a sua perspectiva de vida. Ao espiar o escritor George Dreyman (Sebastian Koch), e a mulher, a actriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), começa a duvidar da única crença que considerava certa (a política) e a sentir-se só.
Por seu lado, o casal acredita no poder da arte e nas transformações que dela poderão surgir, enquanto vão sendo vítimas de chantagem e censura às suas escolhas.
O contexto histórico é real: antes da queda do muro de Berlim, o governo da antiga RDA assegurava o poder através de um apertado sistema de controle e vigilância, a Stasi, com uma vasta cadeia de informadores (que chegaram a ser 200.000 numa população de 17 milhões). O objectivo era precisamente saber tudo sobre “as vidas dos outros”.
A história desenrola-se assim à volta deste casal, e da mudança comportamental de Gerd Wiesler. Forte e comovente, é um filme com os retratos de vida e as repressões que um regime, supostamente democrático, nunca deixou de efectuar.

terça-feira, abril 10, 2007

A man and a woman

True love never can be rent
But only true love can keep beauty innocent
I could never take a chance
Of losing love to find romance
In the mysterious distance
Between a man and a woman
No I could never take a chance
‘Cos I could never understand
The mysterious distance
Between a man and a woman
You can run from love
And if it’s really love it will find you
Catch you by the heel
But you can’t be numb for love
The only pain is to feel nothing at all
How can I hurt when I’m holding you?
U2

segunda-feira, abril 02, 2007

A filha rebelde

foto de: Margarida Dias, TNDMII

Annie Silva Pais, filha do último director da Pide, foi a mulher que inspirou a peça de teatro em cena no D. Maria II. Tendo como base a obra dos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, as cenas decorrem entre dois continentes e num período de trinta anos. De um lado a Cuba idealista e romântica (onde é que eu já ouvi isto?) de Che, do outro o Portugal cinzento e castrador de Salazar.
Annie chegou a Cuba a 12 de Outubro de 1962. Esposa de um diplomata suíço, rapidamente se interessa pelo ideal revolucionário de construção de uma democracia igualitária, contrariando a educação paterna e os valores do próprio marido. A adesão ao comunismo, o seu trabalho como tradutora e intérprete de Fidel e uma beleza física muito notada em Havana fariam com que mantivesse algumas relações amorosas com personalidades importantes do regime. O médico pessoal de Fidel e o ministro do Interior não resistiram aos encantos desta mulher. No entanto, a grande paixão da sua vida, aparentemente platónica, seria um homem com um poder de sedução também historicamente relembrado: el comandante.
Annie Silva Pais é representada, na peça, por Ana Brandão. Pelo palco vão passando vários actores, entre os quais se encontram Lídia Franco e Vítor Norte. A encenação fica a cargo da espanhola Helena Pimenta, que confessou ter consciência do risco de contar um romance cor-de-rosa, com uma personagem demasiado emotiva. Alguns críticos dizem que foi isto mesmo que fez, tendo apenas realçado o lado mau do regime português e a euforia do sonho cubano. É possível, mas também não me consigo lembrar de nada bom que pudesse ser evidenciado no Portugal daquele tempo.
Entre as jóias da peça encontram-se ainda um fabuloso guarda-roupa e uma orquestra ao vivo, com recriações das músicas cubanas da revolução. Ao facto de não existir música nas cenas passadas em Portugal antes do 25 de Abril, o director musical João Cabrita responde: "Portugal não era nada musical naqueles tempos". E não era, de facto.