domingo, dezembro 31, 2006

O direito à felicidade

"Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade."
Segundo parágrafo da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, redigida por Thomas Jefferson, aprovada a 4 de Julho de 1776.

Este não será um post sobre a quantidade de vezes que esta constituição já foi violada por sucessivos governos norte-americanos, com particular incidência nos últimos dias, meses ou anos. O que sempre me fascinou nesta declaração foi que a procura da felicidade fosse considerada como um direito inalienável.
Numa altura em que se postulam direitos humanos de terceira e quarta geração (como o direito à paz, ao desporto ou a um meio-ambiente saudável - cada vez mais imprecisos e, portanto, mais fáceis de violar) este parágrafo vem-me à memória como uma das frases mais estranhas proferidas por alguém. Que astrólogos, poetas e cidadãos comuns, crentes no destino, nas forças paranormais ou nas consequências das acções humanas, acreditem que todos os seres têm direito à felicidade parece-me razoável, mas que um dia se tenha decidido legislar sobre isso, sem sequer nos informarem em que consistia esse direito já me ultrapassa.
A definição não é clara para ninguém e, para me auxiliar, busquei inspiração naqueles que sempre estiveram ao meu lado. Elis costumava cantar Eu quero uma casa no campo, do tamanho ideal ao amor, onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais. Continuo sem saber como ela e Tom escreveram estas letras antes do meu nascimento, porque parecem mesmo feitas para mim.
Faltas de modéstia à parte, costuma dizer-se que a origem da palavra vem do latim, e que está relacionada com sorte ou destino, o que piora um pouco as coisas. Paulo Coelho, o descobridor da alquimia dos livros, diz uma coisa terrível: Quando queremos realmente uma coisa todo o universo conspira a nosso favor. A ideia assusta-me, quer dizer que tudo aquilo que eu quis na vida e não consegui foi por desejar pouco? A culpa é minha? Ele não sabe o quão teimosa eu consigo ser, nem nunca ouviu falar das minhas grandes dificuldades em desistir, definitivamente.
Também Orhan Pamuk diz, em A Vida Nova: "Tinha lido em qualquer lado que a sorte não é cega, mas sim ignorante. Penso é que a sorte é o consolo dos que não sabem nada de estatísticas nem da teoria das probabilidades.", o que é menos fatalista e me dá algum consolo: se não formos muito ambiciosos e desejarmos coisas boas da vida à medida das nossas possibilidades (como um emprego estável, uma relação equilibrada ou uma família e amigos presentes) podemos até ser felizes.
Apesar disso, também o grau de razoabilidade destes pedidos é bastante discutível. O que nos devolve à estaca zero.
Am I Making any sense?

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Havana - Cidade Perdida


Havana, 1958. Fulgencio Batista é o líder do regime ditatorial que está à beira do fim, em Cuba. A revolução de Che e Fidel e a passagem a outro regime, não mais democrático, são o cenário deste filme que parece assumir contornos autobiográficos. O argumento é do escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, e a realização é do próprio Andy Garcia.
Nesta história o amor é real e, talvez por isso, nem tudo vença. O tempo não está a favor destes amantes, o que me agrada.
Os valores e ideais que a revolução não conseguiu englobar e a incapacidade de sobreposição de um partido a outros laços mais fortes. No final recordei-me de uma frase de JD: há coisas que não se esquecem. Só espero que, pelo menos desta vez, não tenhas razão.

terça-feira, dezembro 26, 2006

O amor não tira férias



Devias saber que não era a melhor altura para ver comédias românticas. Ainda assim insististe. Devias também saber que um título destes não augurava nada de bom, mas continuaste a insistir. O amor não tira férias. O teu raciocínio rebuscado começa a criar analogias: estaria o nome relacionado com o facto de, hoje em dia, as pessoas trabalharem sobretudo a recibos verdes, e portanto não terem sequer direito a subsídio de férias? Alguns dirão que, neste caso, têm a vantagem de fazer os seus próprios horários. No entanto, a maioria das vezes trabalha-se mais (aos fins de semana por exemplo). Os imprevistos são maiores, as surpresas também, mas o risco aumenta e nem sempre se está preparado para o que vai acontecer - no trabalho e no amor que, como passaste a saber, também não tira férias. A analogia pode até continuar: nos dias que correm já ninguém está efectivo num posto de trabalho. Começa-se por um longo período de experiência, depois assina-se um contrato a termo (onde se ganha mal, com a suposta vantagem de se poder continuar a fazer uns trabalhos por fora) e só depois, os mais corajosos ou aqueles que têm essa oportunidade, assinam um contrato por tempo indeterminado (que podem corresponder aos casamentos, para onde também já ninguém parte tendo em vista as bodas de prata). Lugares de função pública, sentado a uma secretária, tentando chegar à conclusão de quem faz menos até à idade da reforma, já não existem. Como as uniões para toda a vida.

O filme não é brilhante, e foi feito para Cameron Diaz ter mais um momento de estrelato. O primeiro leitor masculino que não goste da pequena, ou de Meg Ryan, que atire a primeira pedra. São perfeitas, têm um ar querido, loirinhas, fofinhas e, como se não bastasse, parecem sempre dizer a coisa certa no momento certo. A Jude Law bastaram-lhe cinco minutos para se apaixonar (por Cameron), como os restantes leitores devem compreender. A perfeição em pessoa, poderão dizer.

No meio de tudo isto, quem deu conta de Kate Winslet, bem mais discreta, num personagem muito mal explorado por Nancy Meyers (Alguém tem que ceder)? Ninguém. Apenas as duas Kates Winslets que estavam na plateia, qual actrizes secundárias, eternamente preocupadas com o mundo em geral e alguns seres mais desprotegidos em particular. Só estão bem onde não estão, sendo necessários muito mais que cinco minutos para proferirem uma frase sem um ataque de dislexia. Esperemos que a identificação se reproduza até ao final, até porque ambas preferem um Jack Black (imperfeito, longe dos estereótipos de beleza contemporânea, pouco perspicaz e que também nem sempre diz a coisa certa no momento certo, mas com muito sentido de humor) a um Jude Law lindo de morrer. Vamos os dois celebrar a vida (e as suas coisas boas) e o facto de sermos jovens?

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Por água abaixo

Sugestão do Coisas Boas da Vida para quem gosta de ver desenhos animados no Natal. A história é engraçada (embora não passe muito disso) e acaba por transmitir algumas mensagens importantes aos mais novos, o que para mim era importante dada a companhia que levava.
O melhor do fime é mesmo a banda sonora, protagonizada por umas lesmas hilariantes. Dandy Warhols e Fatboy Slim estão entre as jóias desta coroa dos mesmos criadores do delicioso Shrek.
O argumento é simples: as peripécias vividas por um rato acostumado aos luxos da família que o tem como animal de estimação, contrapostas a um estilo de vida mais modesto (ou interessante?). A mais que vista dicotomia do bem vs mal e o eterno final do "viveram felizes para sempre" estão presentes.
Interessante foi ouvir o comentário da minha prima, de 14 anos: "Porque é que os filmes acabam sempre assim?!". Surpreendida, tento levar as coisas a bom porto: "Então I., também já não acreditas nos príncipes encantados?". A resposta deixa-me perplexa: "Vivemos numa república, se procuras um príncipe o mais próximo que poderás encontrar é em Espanha. Nos outros já deixei de acreditar há muito tempo, como no Pai Natal".
Não sei se fique triste pela descrença no amor, se feliz pelo pragmatismo e pela rapidez de raciocínio. Mas acho que me fico com a segunda hipótese, já era tempo de alguém na família ser assim. Isto de viver no submundo da literatura ou das restantes artes nem sempre dá muito bom resultado.
Boas sessões de cinema, e boas festas para todos!

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Para ti

É nestes dias que tenho mais saudades tuas.
Dizem que sou parecida contigo e eu fico feliz.
De ti herdei os valores, a vontade, o feminismo e a vontade de absorver o mundo com o olhar. Ainda hoje o avô conta com orgulho o ultimatum que fizeste ao bisavô: "Ou me caso com ele, ou não caso com mais ninguém". E casaste. E deste à tua filha as oportunidades que não chegaste a ter, por seres mulher e por teres nascido num tempo que não era o teu.
De ti herdei os valores, a vontade, o feminismo e a vontade de absorver o mundo com o olhar. Mas não herdei o bom senso. Dizias que chegaria com os cabelos brancos e sorrias, olhando para a menina que entretanto cresceu, e que realizou alguns dos teus sonhos. Espero que estejas orgulhosa.
Um beijo enorme.

terça-feira, dezembro 19, 2006

- Madrinha já compraste as prendas de Natal dos teus pais?
- Sim.
- E a minha?
- (Risos) Também.
- E para ti, compraste alguma coisa?
- Não.
- Porquê?
- Porque dizem que no Natal as pessoas devem estar mais preocupadas em dar que receber. E também porque agora não preciso de nada material.
- Ainda bem. Mas precisas de coisas que não sejam materiais, não precisas?
- Sim, de muitas.
- Ainda bem. Como eu não tinha dinheiro escrevi-te um poema. Podes pôr na árvore e abrir na noite de Natal.

Não estivéssemos nós num centro comercial apinhado de gente e tinha-te coberto de beijos. Mas não te quis envergonhar nem ouvir dizer "Madrinha, não faças isso aqui. Está toda a gente a olhar". Contive-me e fiquei só embevecida a olhar para ti.
Como é que, num blog sobre as Coisas Boas da Vida, nunca tinhas aparecido?

sábado, dezembro 16, 2006

Mulher em Branco

3:30 da manhã e o sono teima em não aparecer. Na mesa de cabeceira uma Mulher em Branco, de Rodrigo Guedes de Carvalho parece dizer já que não consegues dormir aproveita-me!
Poucas linhas depois do início a pergunta que não devia estar ali, porque o livro está assinado com outro nome que não o meu: Para onde vão os amores que foram um dia?
Em vez de pegar no livro podia ter-me levantado e bebido uma chávena de café bem forte que o efeito seria o mesmo. Fiquei a pensar, por motivos demasiado óbvios nos últimos tempos, no que a frase questionava. Para onde vão eles, os que deixaram de fazer sentido e já não voltam? Teremos todos uma caixinha em casa, guardada no canto de um armário, com as fotografias, os desenhos, as cartas, os presentes mais simbólicos e os cds gravados? A mesmo caixa para onde olhamos quando temos saudades e dúvidas. Teremos todos uma caixa assim?
E haverá por acaso um departamento celestial com vários ficheiros, organizados alfabeticamente, sobre os amores vividos e terminados? Poderemos consultá-lo? Chegávamos, preenchíamos uma ficha com os nossos dados e pedíamos informações relativas a um casal:
Maria Amélia Santos Lopes e Jorge Pedro Gomes
Tempo cronológico da relação: 5 anos
Motivo da separação: fim do amor
Principais sintomas anteriores à separação: cansaço, apatia, dúvidas existencias de parte a parte, poucos planos a dois, muitos eus nos princípio das frases, em substituição do anterior sujeito nós,...
Um departamento assim até pode existir, bem como as caixas. Alguém que nos diga o que fazer com o que fica depois é que nunca consegui encontrar.
Mas continuo à procura.

sexta-feira, dezembro 15, 2006


Dizem que as sementes daquilo que havemos de realizar se encontram todas já dentro de nós, mas sempre me pareceu que, naqueles que troçam da vida, as sementes se encontram cobertas de melhor terra e de uma percentagem mais alta de adubo.

Ernest Hemingway- Paris é uma Festa.
Porque ler os clássicos é sempre um prazer e porque eu acredito que as coisas verdadeiramente importantes acontecem apenas no momento em que têm que acontecer. Não é fatalismo nem descrença nos nossos actos, é antes uma visão mais descontraída da vida, que eu estou a tentar adoptar.
Planos ou resoluções para 2007: tornar-me uma pessoa menos complicada e mais zen. Por favor, não me enviem listas com nomes de pessoas que agradecem a intenção! Eu já conheço algumas.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Três prendas de Natal

A Deia tinha razão: um dia o meu telefone iria tocar com uma boa notícia, e esse dia foi hoje! Parece que a paz de espírito pedida ao Pai Natal chegou com antecedência.
Quando este fim de semana, num jantar muito especial, me perguntaram o que pediria ao Aladino, se me fossem concedidos três desejos, não soube o que responder. Qualquer pergunta do Trivial que pouco antes tínhamos jogado me pareceu mais simples. Três desejos? Podia começar por pedir mais auto-confiança, mais à vontade a falar em público, menos dislexia, menos mau feitio e impulsividades, menos complicações e stresses interiores, menos insónias e preocupações com a família,...
Ou então podia optar por pedir aquelas coisas que as misses pedem antes de serem eleitas: paz no mundo, menos fome e doenças incuráveis. Mas por muito que esteja preocupada com o futuro da Humanidade, os desejos deviam ser para mim em particular. À distância de alguns dias, com menos alcool no sangue e menos público a olhar para mim, penso que já consigo formular uma resposta mais coerente. Aqui vão os três desejos:
1- Ser mãe antes dos 35;
2- Encontrar um pai que esteja à altura da responsabilidade e com uma paciência infinita para ser meu companheiro (NI: ter um toque de mistério, saber dançar tango ou conhecer os meus perfumes poderiam constituir agradáveis mas não imprescindíveis surpresas...);
3- Sentir-me útil no meu trabalho, publicar um livro, escrever letras de músicas para bandas de que goste,...

Estão feitos os meus pedidos natalícios.
No mesmo jantar falávamos em ser ou não ser feliz, e na impossibilidade de termos mais do que alguns momentos de felicidade. Pode ser. Depois das tempestades que passaram na minha vida há bem pouco tempo, estes momentos começam a surgir. E para eles muito contribuíram alguns leitores deste blog. Obrigada!

sexta-feira, dezembro 08, 2006

"Com a mão no meu ombro, postou-se a meu lado. Dir-se-ia que eu era um amigo de infância a quem falava dos seus aborrecimentos. Depois, apertou-me a nuca com os dedos e arrastou-me para o espelho. «Vem, vamos ver-nos juntos», disse-me. Virei os olhos para o espelho e, à luz ténue da candeia, pude verificar uma vez mais até que ponto éramos parecidos. Eu fora acometido deste mesmo sentimento, lembrava-me bem, a primeira vez que o vira na antecâmara de Sadik Paxá. Nesse dia, vira o homem que eu precisava de vir a ser: agora, pensava que ele viera a ser um homem como eu. Somos um só! E isso parecia-me uma verdade evidente! Tinha a impressão de estar paralisado, congelado ali. Fiz um gesto, como que para me libertar daquele encantamento, para verificar que eu era mesmo eu: passei a mão pelo cabelo. Ele fez o mesmo gesto, de resto com muita habilidade, sem romper a simetria da imagem no espelho. Copiava-me o olhar, a postura da cabeça, mimava-me o terror, que eu tanto queria evitar ver ao espelho, sem dele conseguir despegar os olhos, impelido pela curiosidade que o medo me inspirava; ele ficou muito bem disposto, como um garoto que arrelia o amigo imitando-lhe as palavras e os gestos. Depois, começou a gritar: tínhamos que morrer juntos! Que disparate, pensava eu, mas tinha muito medo. Essa foi a noite mais horrível que passei na sua companhia."
Orhan Pamuk - A Cidadela Branca

É Nobel da Literatura de 2006 e é muito bom. A Cidadela Branca é uma obra metafórica, que nos transporta para uma terra de sonhos e pesadelos, liberdades e dependências. Passado na Istambul do século XVII, o romance coloca algumas questões existenciais e inquietantes, na voz de dois homens com inúmeras semelhanças físicas mas oriundos de dois mundos diferentes. As fronteiras que os separam e o choque civilizacional entre ambos acabam por esbater-se num jogo de espelhos perigoso, que lhes confunde as identidades. Numa altura em que muito se discute a entrada da Turquia para a União Europeia esta obra, tão bem escrita, mantem a actualidade e o interesse.

quinta-feira, dezembro 07, 2006


Looking out the door I see the rain fall upon the funeral mourners
Parading in a wake of sad relations as their shoes fill up with water
And maybe i'm too young to keep good love from going wrong
But tonight you're on my mind so you never know

Há dias em que desejava tanto não ser portuguesa… Não pelos mesmos motivos que levam intelectuais e desempregados a odiar a pátria onde nasceram mas com a qual deixaram de se identificar. Os últimos por motivos óbvios, os primeiros apenas porque gostam de contrariar e muito pouca coisa os satisfaz.
Mas eu não. Eu preciso de pouca coisa para ser feliz.
Há dias em que desejava não ser portuguesa para não ser assim, saudosista. Num dia menos cinzento expliquei a uma amiga colombiana o significado desta palavra que parece não existir noutra língua. Disse-lhe que era uma das coisas boas da vida, um exercício de memória ou a forma ideal de recriar bons momentos vividos. É como olhar para fotografias antigas, escutar músicas que foram bandas sonoras de determinados momentos e ser novamente feliz.
Hoje também penso que ter saudades me faz menos bem e me faz querer viver de novo o que, racionalmente, deixou de fazer sentido. Deve ser isto a que chamam síndrome de Peter Pan: crescer é-me difícil, empreender mudanças e enfrentar incógnitas custa-me tanto como tentar empurrar montanhas.
Deve ser do tempo. Quando o sol voltar estarei melhor.

It's never over, my kingdom for a kiss upon her shoulder
It's never over, all my riches for her smiles when I slept so soft against her
It's never over, all my blood for the sweetness of her laughter
It's never over, she's the tear that hangs inside my soul forever

Tudo o que amamos e vivemos é de alguma forma imperfeito. A saudade e a poesia também.

Well maybe i'm just too young
To keep good love from going wrong
Lover you should've como over - Jeff Buckley

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Em catadupa

Uma menina mulher com olhos que procuram a todo o custo absorver o mundo. Sonhos de menina num corpo com vida de mulher. Pouco tempo para brincar na infância, algum para disparatar na adolescência e muito para tentar na vida adulta. "Muito especial" dizem dela que, cansada, não encaixa.
Ajudar, construir, melhorar, colorir, equilibrar, voltar.
Uma paz que não vem e uma incógnita indestrutível: e se? O limite mil vezes ultrapassado e uma incapacidade de desistir que tornam tudo uma bola de neve.
Vontade de deslizar do trapézio e descansar na rede elástica, que sobe e desce, de braços abertos, enquanto alguém murmura uma evidência Heaven, you're in heaven...

sábado, dezembro 02, 2006

Identificação pura

Ricardo adorava participar em campeonatos de ténis. Não jogava muito bem e nem sequer gostava especialmente daquele desporto. As vitórias eram poucas e suadas, mas com grande significado. O treinador, realista e pouco confiante nas qualidades do aluno, repetia-lhe sempre: "Perder ou ganhar tudo é desporto, continua a praticar!". Nunca lhe dava ouvidos. O objectivo era ganhar: dos segundos e terceiros classificados ninguém se lembrava, que não lhe viessem com histórias!
Não desejava nenhuma taça, nem tão pouco um grande aplauso. O que ele queria mesmo era ver aquele brilho nos olhos deles. Como se, naquele momento conseguissem esquecer os amigos de aspecto duvidoso, as namoradas que nunca chegaram a existir, o curso de medicina trocado pelo Conservatório ou as roupas da irmã que alargavam ao fim de pouco tempo de uso e os batons vermelhos que teimavam em desaparecer.
Naquele momento o importante era mesmo o brilho nos olhos deles e o orgulho que afinal sentiam por si. Brilho nos olhos como sinónimo de admiração e de afecto. Equação lógica de quem subtrai à felicidade tudo o que não importa e fica apenas com momentos como este, próximos da perfeição.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Há dias em que decide desligar e ficar na bola de sabão transparente onde se costuma enfiar quando tudo à volta parece ser invariavelmente igual, monótono ou cansativo.
Tudo seria tão mais simples se, por vezes, pudesse baixar o volume dos que a rodeavam. Quando era pequena imaginava-se a bater com um daqueles martelos de Carnaval em todos os que diziam disparates. Na televisão o presidente de um arquipélago ao largo do Atlântico diz que Lisboa é governada pelos lobbies dos gays, dos toxicodependentes e dos jornalistas, ora toma lá uma martelada. Britney Spears, a menina que adorava dizer que era virgem e dar beijos na boca de Madonna, renova o seu apoio ao presidente dos Estados Unidos: "ele tem feito de tudo para proteger a nossa grande nação!", onde é que ela tinha mesmo o martelo?
Na rua uma tia observa com pertinência "minha querida, isto nem está tão mau quanto eles dizem. A Comunicação Social aumenta tudo: o desemprego, as calamidades, as cheias. Eu não conheço assim tanta gente desempregada ou com a casa inundada...", e toma lá mais uma martelada. No comboio alguém diz "agora querem legalizar o aborto, é para ver se as mulheres continuam a dormir com quantos homens lhes apetece, todas as semanas", e toma lá outra martelada, ou as que forem precisas para te cansares de dizer barbaridades! Ups! Não tinha o martelo à mão de semear mas tinha uma chávena de café que acidentalmente foi parar à sua camisa: "Entornei tudo, que pena! Ando mesmo distraída!".
Não se pode exterminá-los?